quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Quintal

E agora, após a leitura chocante de textos-profecias que já apontavam sua presença na minha vida, eis que talvez, nós nos buscamos tanto, que finalmente aconteceu.
E hoje, mais que nunca, eu me espanto. Reli predições sobre sua existência, que eu nem me lembrava de ter escrito.
E então, veja só... Você já era realidade sem eu ao menos imaginar.
E o mais assustador: eu te busquei implacavelmente, incessantemente... até que te achei, até que nos achamos...
Obedecemos ao pressuposto quase esotérico de que "quem procura, acha!!!"
Nos achamos...
Nos reconhecemos...
E agora? Te assusta que eu te queira todos os dias?
Hoje eu sei sobre você. e sei que você tem medo de mim...
Ainda canta pro luar?
Estou á beira de um lago e próxima a uma fogueira, onde espero por uma dança.
Por que esperar por alguém que talvez nunca chegue?
O que faria um coração bater, se não fosse a espera?
Também posso fazê-lo parar.
-Parar como?
-Parar de sentir.
-Eu já tentei fingir que é mentira, tentei ser uma atriz, mas não consegui. Isso te assusta?
-Não. Eu gosto de ver. Mas fico pensando no que sente.
Vc buscou o amor, achou a mim, ao céu, às flores...


Sabe o que eu gosto de imaginar?
Gosto de imaginar o dia em que eu te "ver" pela "primeira" vez.
Penso que estaremos em um mesmo espaço. Eu, atordoada e dolorida pela ideia da sua presença, e você, sem desconfiar de absolutamente nada.
Me imagino chegando a esse local com uma desconfiança que não é minha, lutando para me esconder o máximo que posso, assombrada por qualquer pessoa que se aproxime.
É como se todos fossem um pouco de você.
Então, eu me assento, guardo os meus pertences, e me recolho com muito mais cuidado...
Elaboro cada segundo ao me banhar, ao escolher uma roupa, vou me demorando na covardia que posso, até onde me é permitido, afinal, tenho tarefas a cumprir. Tarefas essas onde você estará presente. E eu sinto medo.
E me desfaço de muitas coisas. Não identifico por que, mas a orgulhosa neófita, comumente de vestido preto discreto porém deslumbrante, sorriso encantadoramente vermelho, numa homenagem ao poder vermelho que em mim habita...
Desta vez, essa mesma mulher está de pés no chão, rosto completamente limpo, com um vestidinho simples, que mistura o azul escuro do céu, o tom rosáceo dos fins de tarde, com alguma explosão estelar ou seria uma galáxia, bem no peito... Um cordão no pescoço com uma pequena ágata, os cabelos displicentemente soltos, despenteados pelo vento. Dois grandes vincos verticais  no centro da testa, manifestando uma contrariedade longeva e persistente, só vencida pelo sentido de obediência e necessidade hierárquica que permeia minha vida.
Parte de mim daria qualquer coisa pra não estar ali. Outra parte sentia todos os sentimentos, e o primeiro deles, era curiosidade.
E então meu Mestre me convida a cantar. Eu hesito por três sou quatro segundos, mas lembro da tatuagem da obediência e sigo. A testa ainda com os vincos verticais, eu passo pelos presentes sem olhar nem ver a ninguém.
Chego até a frente,e  ainda sem olhar pra quem me olha, e sorrio pensando na vingança interna, no prazer mórbido que sempre me dava cantar essa música, e te imaginar como o triste rei, morrendo na janela vendo coisas ao luar. Gosto de te imaginar sofrendo.
E entoo a canção como se de mim saísse vida. a minha melhor interpretação.
E quase no final da música, pouco antecedendo os graves, eu olhei. E lá estava você. Ao fundo, em pé, estático, quase escondido, apavorado.
E eu fingia que não te via.
Quando saia da frente, já não te via mais.
E agora, você já conhecia minha presença. E agora? Pensaria que eu vim atrás de você? Provavelmente. O presunçoso que você é. Aí eu sentia ódio. Estava ali obrigada. E agora? Você iria embora? Tinha certeza que não. Eu sentia que, como o rato medroso que você é, você viria ao meu encontro. Quando eu estivesse sozinha, como um rato faz. Sem testemunhas.
E então passadas algumas horas, eu que nesse lugares sempre sou sociável por escolha, por gostar e conhecer gente, estava alí, presa à raiva e ao medo, sentada em um toco de árvore, os dois vincos da testa ainda mais fortes, com um graveto nas mãos, afastada de todos, rabiscando fórmulas matemáticas, letras de músicas e desenhos tristes na areia. Eu estava de cabeça baixa, meu cabelo, sempre mais comprido, caídos como a tristeza, no meu rosto, nos ombros, nas costas, e nos braços.
E então, eu escutei a sua voz. Nesse momento, meu espirito queria era estar do lado de fora, apenas contemplando a cena, apenas sendo narrador contemplativo desse conto, Pela maneira com que eu tenho essa cena gravada na memória, acho que parte de mim saiu para fora, sim.
Você disse duas palavras:
- Finalmente, Senhorita.
Eu quis esconder o rosto, sair correndo, continuar fingindo que tinha sido apenas o vento soprando bobagens no meu ouvido, com sua voz grave.
Mas não. Eu via seu semblante negro, a despeito das suas roupas claras e do seu chapéu panamá.
Eu não queria, mas olhei pra cima mal virando o rosto, e sem parar de mexer na areia, tentando desesperada e ridiculamente não dizer nada, e não demonstrar interesse.
Até o Sol me traiu, nesse momento, fazendo com que eu apertasse um pouco os olhos, trazendo à minha face um semblante levemente risonho, que eu queria arrancar do rosto, substituindo por ódio. O sol ofuscava um pouco os meus olhos, ao que eu tive que colocar a mão na têmpora, para conseguir realmente ver seu rosto, e me senti ridícula e traída até por isso.
A raiva realmente não permitia que eu sentisse vontade de pular no seu pescoço e te abraçar. Talvez alguma menina perdida e aprisionada dentro de mim GRITASSE, IMPLORASSE,   com toda a sua força, por isso, mas eu já estava treinada, e a segurava do tórax para baixo. Essa menina estava presa, contida, amordaçada com sucesso, e não me oferecia perigo.
Eu finalmente te olhei de verdade. Finalmente seu olhos. Estavam apertados demais, em relação ao sorriso contido e meio cínico. Esse sorriso. Era o que doía na alma.
Era o que me dava vontade de chutar a sua cara. Menos mal, eu pensei. Se fosse o outro sorriso, aquele aberto e gigante,  eu teria chorado até morrer. Eu teria gritado, eu teria pulado nos seus braços.
E eu te respondi, num tom que tentava se passar por apático:
-Finalmente...

Eu fiz uma promessa, a alguém muito Importante, certa vez.
Eu completamente ao chão, e Ela, com um dos pés entre a minha cabeça e o meu pescoço.
E Ela me disse: Ele já foi a sua vida, ele será a sua vida, ele já te mostrou o caminho, ele elevou seu patamar, ele abriu seus olhos.
Mas mesmo ciente de tudo isso, mesmo sabendo que o que ele sente é verdadeiro, você vai me PROMETER, vai se  COMPROMETER a NUNCA procurá-lo. Nunca, sob hipótese nenhuma, você irá procurá-lo. Você não irá ao encontro dele, você não falará com ele. Você irá fugir dos lugares em que ele esteja, a não ser que seja ORDENADA por um Mestre a ir ou a contactá-lo.
Do contrário, só falará com ele se ELE  quiser ou te procurar. Não vai mais enviar NENHUMA mensagem, sem antes ele falar contigo primeiro.
Ele precisa de paz para finalizar o próprio caminho. E você dar a ele essa paz é a única condição que eu coloco para que você me sirva.
E eu obedeci cegamente, até este dia.